Euzinho

Felip Barbosa de Medeiros


Membro da FSF desde 2018, sou um analista de sistemas com experiência em software livre, programação, mineração de dados, infraestrutura e segurança.
Atualmente no Jornal Brasília Capital, antes na Vegan, HortMinas e CEBGAS.


O dilema das redes sociais

Um review verticalizado com todas as informações e links que você precisa pra continuar se informando sobre o capitalismo de vigilância: roubo de dados, vício em tecnologia, influência em eleições, fake news e polarização.

A Netflix frequentemente investe no desenvolvimento de documentários e séries que vão na contra mão do mercado de mídia tradicional e o dilema das redes sociais faz um compilado de um tema sensível da área de tecnologia. Temos um problema: metas de engajamento e crescimento sustentadas por propaganda. Pra consegui-las? Um reforço positivo intermitente com o funcionamento igual a de uma máquinas caça-níveis, em termos técnicos: growth hacking! Estão apontando sistemas de inteligência artificial para nós mesmos pra induzir por engenharia reversa o que causa determinadas respostas.

Antes da TV, fomos treinados para os dias de glória do rádio. Foram notícias e entretenimentos bons e saudáveis que ofereciam valor para a comunidade. Todo mundo começou a vender tão rápido que as tintas dos contratos secaram, era tanto dinheiro de publicidade começando a entrar que as coisas nunca mais seriam as mesmas.

Esse modelo de publicidade no rádio foi extendido pra mídia impressa e pra internet com poucos ajustes. Na verdade, eles ficaram muito melhores. Lembro-me de uma época em que dava para assistir 4 canais de TV aberta “regular”, só com a antena, sem conta mensal de qualquer espécie. Livre. Foi assim que eles nos levaram a comprar TVs.

Você não pode vender anúncios se não houver TVs na casa de todos! E as pessoas não compram TVs se também tiverem que pagar R$20 por mês pelo conteúdo! As pessoas tinham prioridades naquela época mas caíram nos mesmos truques que ainda fazem hoje.

A forma que se pagava era pelos anunciantes exibindo anúncios, algo que todos agora entendem. Depois que a maioria das pessoas comprou uma TV, algum gênio teve uma nova ideia. Eles viriam passar algum fio (um cabo) até sua casa para que você pudesse obter 20 ou 30 canais, mas você teria que pagar R$20 por mês. A melhor parte era que agora você estava se pagando, não havia anúncios. SEM ANÚNCIOS! Foi ótimo. HBO e um monte de outras coisas boas. Quase como ter o Netflix hoje em dia, uma taxa mensal e sem anúncios.

Não muito tempo depois disso, descobriram que um número suficiente de pessoas tinha cabos instalados para poder avançar para um próximo nível. Nos viciaram em TV e o que é crucial, pela primeira vez, nos fizeram pagar uma quantia mensal exclusivamente para o entretenimento. Não como uma conta de luz ou energia elétrica que você realmente precisava para administrar sua casa, mas uma conta mensal para iluminar uma tela com entretenimento e anúncios. Então, o próximo truque era colocar os anúncios de volta.. e muitos deles! Lembre-se, este é o objetivo final de qualquer jeito: anunciar para nós. É aí que entra a lavagem cerebral.

Criamos uma base instalada de consumidores conectados.

Então, um pouco mais tarde, eles estavam nos vendendo TVs, contas mensais de cabo e, em troca, estamos nos oferecendo para pagar a eles para que nos digam o que querem que compremos. Foi um sonho tornado realidade para os vendedores. Eles costumavam realmente ter que sair e vender, ou esperar que as pessoas que realmente precisassem de algo aparecessem na loja.

Mas agora eles podem nos dizer que precisamos de algo. Mesmo que realmente não precisemos da imensa maioria, pagaremos a eles para nos avisar, usaremos nosso próprio dinheiro da gasolina para dirigir até a loja e pagaremos a eles novamente para comprarmos o que realmente não precisamos.

Em seguida, é claro, começaram a nos vender seriamente tudo o que quisessem. Alimentos que nos deixam doentes ou nos matam, remédios de que só precisaríamos se comêssemos alimentos ruins, produtos de limpeza que agora pensamos que precisamos porque nosso sistema imunológico está comprometido por comer alimentos ruins e tomar remédios, seguro de saúde porque a maioria das pessoas realmente precisa de médicos agora já que estão muito mais doentes do que antes, e qualquer número de dispositivos, brinquedos, máquinas, ferramentas, videogames e roupas que, por alguma razão misteriosa, pensamos que precisamos.

É bom lembrar que nada é de graça. Alguém está pagando os salários, comprando o equipamento, pagando o aluguel do escritório, etc. para qualquer negócio que exista. O McDonald’s está no mercado há décadas, a P&G possui tantos produtos que você pode não precisar dos produtos de outra empresa para viver uma vida plena, Hollywood e a indústria do entretenimento estão cheias de pessoas ricas, as empresas de energia nos fazem pensar que precisamos usar mais energia, Apple nos convenceu de que precisamos de iPhones, os esportes se tornaram outra boa maneira de nos pegarem quando não há tela ao redor, e as mídias sociais tornaram os anúncios devastadoramente mais pessoais e direcionados. Alguém está pagando os salários de todas as pessoas dessas grandes empresas. Estas são as empresas de maior sucesso da história do mundo!

São sempre as mesmas pessoas que se revezam na coleta de nosso dinheiro.

Quem paga por tudo isso? Quem são os cliente deles? Aqueles com quem eles se relacionam, aqueles cujas opiniões eles valorizam, aqueles que recebem pessoalmente uma ligação? Os anunciantes. Não é um time de futebol. Quem são os anunciantes… bem, é engraçado, mas são as mesmas pessoas. As pessoas que são donas da maior parte do PIB, o 1% de que todos reclamam se revezam para recolher nosso dinheiro e distribuí-lo entre si.

Mas eles não seguram o dinheiro, até porque podem ter que pagar impostos se fizerem. Então, passam adiante, pagam salários, pagam despesas, pagam contas, compram propriedades (esta é uma parte importante), compram ativos para o negócio, pagam algumas obrigações… enfim, eles movimentam todo o dinheiro sob a tutela de um mestre em evitar impostos, um contador.

Projetaram um sistema que só eles podem usar, é um lobby.

Contratam essa pessoa, cujos serviços a maioria das pessoas não pode pagar para lhes mostrar o caminho através do labirinto. Eles elaboram um plano para repassá-lo da maneira certa, de modo que tenham o menor passivo tributário possível, geralmente zero. Isso pode até envolver instituições de caridade. Você pode pensar que, bem, pelo menos eles são generosos e o dinheiro que vai para a caridade é melhor do que ir para o governo federal.

Essa é outra miragem que eles nos vendem. O governo federal é bastante ineficiente com a administração financeira realmente, mas pelo menos o dinheiro está voltando para as comunidades, escolas, estradas… algo útil. Não tudo disso, claro! Uma tonelada disso é desperdiçada em uma enorme burocracia que ninguém mais entende. O restante é dividido entre as causas pelas quais os ricos decidiram fazer o lobby. Muitas vezes para o benefício de seus negócios, mas também para o público, quase que por acidente.

E por que a caridade não é melhor? As instituições de caridade para as quais os ricos doam são administradas por seus familiares e amigos. Portanto, eles estão ganhando favores ao doar grandes somas para instituições de caridade, faculdades, igrejas ou tecnologia. Eles então terão amigos para visitar quando seus filhos precisarem de um favor ou algo mais útil.

Realmente, você não pode vencer o sistema deles. Para onde quer que você vire, você descobrirá que eles têm um ângulo determinado. E você descobrirá que tudo é legal. Qualquer pessoa rica que seja presa por qualquer crime deve ser doente mental ou simplesmente estúpida. Existem tantas maneiras completamente legais de desnudar o sistema que simplesmente não é racional fazer nada ilegal.

O público é a safra que eles estão cuidando, e sempre foi assim.

Então agora, recentemente, a maioria das pessoas já aceitou a ideia tão profundamente que é difícil para elas perceberem. Não somos clientes, somos o produto. Nós estamos entregues, usando nosso próprio dinheiro ou cartão de crédito, direto na porta dos negócios. Compramos toneladas de coisas de que não precisamos e muitas delas nem mesmo queremos. Comemos e dirigimos o que eles sugerem, compramos para nossos filhos o que eles nos dizem e vivemos nossas vidas como eles desejam.

Estamos conectados 24 horas por dia. Se as telas em casa não estiverem disponíveis, temos um rádio no carro. Em último caso, um telefone com uma grande tela que carregamos conosco. Nunca nos esquecemos disso. Certificamo-nos de estar sempre ligados à receita publicitária. Eles não precisam mais se preocupar com isso porque somos treinados há gerações.

Se pudéssemos obter um implante em nossas cabeças que nos daria um link mental direto para a internet em troca de WiFi grátis em qualquer lugar, não tenho absolutamente nenhuma dúvida de que haveria uma fila na rua mais longa do que a loja da Apple em setembro. Então, é claro, o padrão se repetiria. Assim que uma base de usuários instalada estiver presente, começaríamos a receber anúncios mentais para nós, personalizados pelo Facebook, é claro. Não muito depois disso, haveria uma cobrança mensal pelo “serviço”.

Depois de tudo isso, depois de gerações de voluntariado para sermos “fertilizante” para o crescimento de grandes empresas, depois de se voluntariar para assistir os comerciais, pagar uma taxa mensal para assistir a mais anúncios e comprar 5 dispositivos para fazer isso em qualquer lugar, a qualquer hora…

Nós nos oferecemos para financiá-los com cada centavo que temos.

Depois de tudo isso, a parte mais irônica, hilária e morosamente assustadora: temos a coragem de reclamar do 1% e das “grandes empresas” que estão ganhando todo o dinheiro enquanto os trabalhadores pobres da classe média mal conseguem sobreviver com seus contracheques. Este é o maior monte de ignorância que já foi vendido. Oferecemos-nos para comprar qualquer coisa que eles nos mandem comprar, gastar todo o nosso dinheiro extra, fazer empréstimos para comprar mais, continuar comprando mesmo quando as coisas não são saudáveis ​​e comprar a garantia estendida porque a porcaria pode quebrar em duas semanas! Nós nos oferecemos para seguir as instruções, pagar a eles por tudo isso e depois ter a coragem de reclamar quando eles estiverem com todo o dinheiro!

Encontre qualquer pessoa de classe média que esteja reclamando e veja se ela tem uma TV, um telefone celular, um monte de roupas de que não precisa, brinquedos de que não precisa, dois carros (já que eles quebram tão facilmente agora), TV a cabo, internet, junk food e todos os tipos de coisas adicionais que fomos “programados” para precisar.

Calcule quanto dinheiro você teria se só pagasse aluguel, comprasse comida para cozinhar e tivesse uma conta de luz ¼ do que é agora (a conta só é alta por causa de todos os aparelhos eletrônicos). A conta telefônica seria cerca de R$30 por mês se você tivesse um telefone comum para ligações reais, o tipo sem tela. Temos contas de telefone altas para que possamos carregar a tela conosco (nós nos voluntariamos para carregá-la conosco, para que eles possam nos rastrear e aprender sobre nossos hábitos, para que possamos ficar em contato com as pessoas que estão tirando o nosso dinheiro).

Sem eletrônicos, sem carro com seguro, sem hábitos que eles o convenceram você teria o que as pessoas tinham na década de 1950 e um pouco mais. Você teria aquele sonho americano que todo mundo reclama que acabou. Não acabou, apenas distribuímos pouco a pouco todos os meses. Não acabou, está apenas nas mãos de pessoas que aprenderam a fazer negócios com eficiência e, ao mesmo tempo, tomar decisões racionais. Damos todo o nosso dinheiro, tempo e capacidade de raciocínio todos os dias para as “grandes empresas” das quais reclamamos. E fazemos isso de forma totalmente voluntária.

Já reparou que se tiver algum dinheiro ‘extra’, surge algo para comprar?

Aqui está um pouco de verdade: as empresas sabem exatamente quanto as pessoas ganham. Eles se revezam aumentando os preços e vendendo coisas para nós, para garantir que recebam todo o dinheiro extra que possamos ganhar. Se você tem dinheiro sobrando, eles ainda não fizeram seu trabalho e sempre o fazem muito bem. Na verdade, se você pegar pessoas que não são muito boas em administrar dinheiro elas estão até mesmo endividadas por comprarem coisas de que nunca precisaram.

Então, os bancos inventaram cartões de crédito que nos permitem comprar coisas que ainda nem podemos pagar. Não se esqueçam dos bancos, eles certamente são propriedade de pessoas ricas e fizeram sua parte em receber todo o dinheiro que oferecemos. A razão pela qual muitas vezes parecem diferentes é porque têm toneladas de contadores, então eles são mestres nessas coisas. Eles simplesmente pegam todo o dinheiro de uma vez. Por que esperar até os 60 anos para se aposentar se você pode fazer isso aos 30?

Houve ocasiões em que você ouviu falar de uma crise bancária. Não é uma crise, são apenas os ricos distribuindo dinheiro, mas em grandes quantias de cada vez. A última vez que fizeram isso, eles certificaram-se de que o valor de sua casa caiu de 50 a 75% enquanto eles estavam nela. Esse é um truque muito legal. Agora você terá que pagar uma mensalidade por mais de 15 anos antes mesmo de ter QUALQUER patrimônio nela. Você nem mesmo é dono da casa que comprou e vai pagar por ela por 15 a 30 anos!

Então temos mais uma mensalidade, agora (nova e melhorada! com altas taxas de juros! Isso garante que ela nunca irá embora.

Então, eles continuam levando isso ao limite, levando mais e mais. O que eles encontram? Para sua alegria, eles encontram pessoas que trabalham duro, até mesmo pessoas com filhos com quem poderiam estar passando o tempo, que estão dispostas a abrir mão de seu tempo livre e, em vez disso, trabalhar em um segundo ou terceiro emprego para pagar por mais coisas!

Quando todos nós tínhamos coisas demais, eles nos venderam o sonho de ter mais coisas.

“E se vendermos a eles uma chance de ganhar mais dinheiro? Nós vendemos a eles a oportunidade, então quando eles ganharem mais dinheiro, nós venderemos ainda mais coisas!” Assim nasceram os empréstimos estudantis.

Se o consumidor médio obtém um aumento, seu aluguel sobe, sua hipoteca explode ou o IRS aparece. Se houver dinheiro extra por perto, alguém está de olho nele! E eles vão conseguir se você permitir. Eles vão conseguir, mesmo se você não permitir.

As pessoas precisam começar a tomar decisões sobre dinheiro se quiserem que as coisas mudem. Você não pode reclamar que as empresas estão fazendo isso. Somos voluntários para tudo isso. É uma espécie de nervosismo delirante que as pessoas reclamam que essas empresas ganham dinheiro. É isso que as empresas fazem. Seu trabalho é ganhar dinheiro. Na verdade, seria ilegal perder dinheiro propositalmente. Eles têm a responsabilidade de ganhar dinheiro, pagar os salários das pessoas, pagar o aluguel, pagar os fornecedores, etc.

Se a tecnologia cria caos em massa, indignação, incivilidade, falta de confiança um no outro, solidão, alienação, mais polarização, mais manipulação eleitoral, mais populismo, mais distração e incapacidade de nos focar em problemas reais não deveria ser um dilema a escolha de usá-las.

Frases:
  • “Nada grandioso entra nas vidas dos mortais sem uma maldição.” (Sófocles)
  • “Se você não está pagando pelo produto então você é o produto.” (?)
  • “É a mudança gradual, leve e imperceptível em seu próprio comportamento e percepção que é o produto.” (Jaron Lenier)
  • “Qualquer tecnologia avançada é indistinguível da mágica.” (Arthur C. Clarke)
  • “Existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software.” (Edward Tufte)
Fontes:
Citações:
  • “Quando algo é uma ferramenta, ela fica apenas lá, parada, te esperando. Quando algo não é uma ferramenta, ela exige coisas de você, fica te seduzindo, te manipulando, pedindo que você faça algo. E a tecnologia deixou de ter o papel de ferramenta para se tornar um vício e um meio de manipulação. As redes sociais não são uma ferramenta esperando para ser usada, elas tem os pŕoprios objetivos e formas específicas de alcançá-los usando seu psicológico contra você. Os seres humanos evoluíram para nos importarmos com o que outras pessoas da tribo pensam de nós, porque isso é importante. Mas será que evoluímos para saber o que 10 mil pessoas pensam de nós? Não evoluímos para receber uma dose de aprovação social a cada cinco minutos. Não fomos feitos para esse tipo de experiência.”

  • Modelo de negócio que lucra com desinformação.”

  • Nós construímos nossas vidas em volta de um senso de perfeição porque somos recompensados com sinais breves, corações e curtidas. Confundimos isso com valor pessoal e com a realidade quando, na verdade, isso não passa de uma frágil popularidade, que é passageira e te deixa ainda mais vazio do que se sentia antes. Porque você entra em um círculo vicioso pensando: ‘O que preciso fazer agora? Preciso daquilo de novo.’”

  • “Estamos treinando e condicionando uma geração inteira de pessoas que quando se sentem desconfortáveis, solitárias ou com medo, usam chupetas digitais para se acalmar. E isso vai atrofiando nossa habilidade de lidar com as coisas.”

  • “As pessoas acham que o algoritmo é projetado pra das a elas o que elas querem, mas na verdade o algoritmo quer achar uma toca de coelho mais próxima do seu interesse.”

Elenco: